24 July, 2007

Asneiras e sentimentos_Miguel Esteves Cardoso

"Já me estão a cansar... parem lá com a mania de que digo muitos palavrões caralho! Gosto de palavrões! Como gosto de palavras em geral. Acho-os indispensáveis a quem tenha necessidade de dialogar... mas dialogar com carácter!
O que se não deve é aplicar um bom palavrão fora do contexto, quando bem aplicado é como uma narrativa aberta, eu pessoalmente encaro-os na perspectiva literária!
Quando se usam palavrões sem ser com o sentido concreto que têm, é como se estivéssemos a desinfectá-los, a torná-los decentes, a recuperá-los para o convívio familiar.
Quando um palavrão é usado literalmente, é repugnante. Dizer "Tenho uma verruga no caralho" é inadmissível.
No entanto, dizer que a nova decoração adoptada para a CBR 900'2000 não lembra o "caralho", não mete nojo a ninguém.
Cada vez que um palavrão é utilizado fora do seu contexto concreto e significado, é como se fosse reabilitado.Dar nova vida aos palavrões, libertando-os dos constrangimentos estritamente sexuais ou orgânicos que os sufocam, é simplesmente um exercício de libertação (...)
"Foda-se"!!
não existe nada no vocabulário que dê tanta paz ao espírito como um tranquilo
>>> > > "Foda-se...!!".
O léxico tem destas coisas, é erudito mas não liberta. Os Palavrões supostamente menos pesados como "chiça" e "porra", escandalizam-me. São violentos. Enquanto um pai, ao não conseguir montar um avião da Lego para o filho, pode suspirar após três quartos de hora,"ai o caralho...", sem que daí venha grande mal à família, um "chiça", sibilino e cheio, pode instalar o terror. Quando o mesmo pai, recém-chegado do Kit-Market ou do Aki, perde uma peça para a armação do estendal de roupa e se põe, de rabo para
o ar, a perguntar "onde é que se meteu a puta da porca...?", está a dignificar tanto as putas como as porcas, como as que acumulam as duas qualidades(...)

In Palavrões


(...)
Ter o que se quis não é tão bom como se diz, nem querer o que não se tem é assim tão mau. O segredo deve estar em conseguir continuar a querer, não deixando de ter. Ou, por outras palavras, o melhor é continuar a ser querido sem por isso deixar de ser tido. O que é que todos nós queremos, no fundo dos fundos? Queremos querer. Queremos ter. Queremos ser queridos. Queremos ser tidos. É o que nos vale: afinal queremos exactamente o que os outros querem. O problema é esse.»

In O que se quer

Miguel Esteves Cardoso