12 May, 2007

No castelo do Barba Azul

George Steiner escreve este ensaio “No Castelo do Barba Azul”, em 1971, com o intuito de caracterizar a cultura contemporânea (Europeia), apresentando-nos aforismos necessários para uma (re) definição da mesma.
O autor sugere-nos um título, que lembra um conto tradicional, com o mesmo nome, que tratava de um senhor com mau íntimo, de barba azul, que guardava um segredo obscuro no quarto do seu castelo. Mantinha escondidos os corpos das mulheres com quem casara e que sucessivamente assassinara. A porta proibida do seu quarto escondia: “um inferno”.
Steiner, por sua vez, abre portas do nosso castelo da cultura. Uma porta sobre o grande “Tédio”; sobre uma “Temporada no Inferno”; sobre “Pós-Cultura” e sobre o “Amanhã”, constituem respectivamente os nomes dos 4 capítulos que compõem este ensaio, que nos ajuda a entender melhor a noção de cultura, sua evolução, antecedentes e consequências para a mesma, de determinados acontecimentos trágicos e bárbaros praticados por bímanos de geração humana (passíveis, infelizmente, de serem comparados com os actos praticados por “vilões” de certas lendas, como o Barba Azul).
A nossa cultura é uma Pós – cultura que vive um sentimento de desorientação, e que em certos momentos perde a sua sensibilidade moral, apostando na violência e destruição mútua. Nas palavras de Steiner percebemos que o frio sentido hoje, é devido a um período de longa paz, no passado, o celebre verão sem nuvens de 1815-1915. Este longo período é focado como sendo a origem nas nossas actuais dificuldades e de uma inumanidade que nos obriga a redefinir a cultura de agora que nos reveste e que a todos pertence. Apesar da grande confiança sentida nessa época e da sua aparente vitalidade ilustrada através de algumas obras (como o Elogio de Macauly sobre a ciência e o progresso; Fausto ; ou através de correntes de pensamento como positivismo, o historicismo hegeliano e o cientismo de Claude Bernard), esta geração começa por cair na real, acabando por perceber o seu verdadeiro vazio.
Todo o ritmo fantástico de 1789-1815, das guerras napoleónicas e da revolução francesa introduziram grandes transformações e profundas alterações na qualidade da esperança Europeia, no tom das relações sexuais e na aceleração do tempo vivido. O que aconteceu é que da agitação, rebelião, vitalidade dum período passamos a um outro bem mais calmo (a vitalidade insensata da era Napoleão Vs o colapso destas esperanças revolucionárias). Um período intensamente vivido termina e dá a vez a um vazio, a uma era de frustração, a uma espécie de desmotivação…experimenta-se o Tédio. Este é o motivo que Steiner foca e que dá, como já afirmei anteriormente, o nome ao 1º capítulo: “L´énnui” (“uma inacção que se prolonga”, “letargia febril”, um cansaço desanimado, ou como Fernando Pessoa diria, uma “Vontade de nada”).
É portanto, por volta de 1830, que o tédio se começa a sentir, e certas obras literárias que se escreveram na altura – como “La confession d´un enfant” - exemplificam, ou melhor, registam os começos desse tédio.
Steiner chama-nos ainda a atenção para uma mistura efervescente que este período assistiu. Esta mistura reúne, o dinamismo tecnológico e económico ( o crescimento enorme da industria e economia e a produção em massa que levam á desumanização dos trabalhadores e que se encontra associada à alienação), um século de civilização burguesa e liberal e ainda a imobilidade social que se vivia. É esta mistura somada à inércia e tédio em que se viveram estes 100 anos de paz, que se constitui a conjectura, para se começar a engendrar a partir de 1900, uma “nostalgia do desastre”, um “desejo de sangue” e de destruição que discorre da frustração então presente (os romances de Flaubert são prova disso mesmo). A corrida ao armamento e o crescente nacionalismo europeu foram, segundo Steiner, apenas, sinais exteriores desse geral mal-estar.
“ O tédio alimentava fantasias sobre catástrofes próximas”. E assim aconteceu. A belle epoque encontrou um estado de decomposição e terminou basicamente com o início da I Guerra Mundial. Foi o término do longo trajecto de 100 anos, que o homem percorreu no jardim da paz.
Steiner , neste ensaio, dá-nos de facto, pistas para melhor compreendermos o mundo em que vivemos, e acredita que foi o longo verão de paz e o tédio daí consequente, o responsável pela barbárie que se assiste de seguida. Ao que parece a violência foi a fórmula para terminar com o entediante existir. É por esta constatação e numa tentativa de esclarecer este paradoxo, que o autor no final do capítulo mergulha numa perspectiva psicanalítica, sugerindo que uma civilização quando se torna mais complexa “desenvolve tensões implosivas e movimentos de autodestruição”. Em “o mal-estar da civilização” Freud diz-nos, que existe “uma inata inclinação humana para ruindade, a agressividade, destrutibilidade e também crueldade” que inevitavelmente dificulta o nosso relacionamentos interpessoais, isto é, o nosso existir com os outros.
O conhecido psicólogo, ilustra-nos na sua obra, como os costumes civilizados impõem tensões ás pulsões primárias do homem, e como existe no homem “um instinto de morte ou destruição”.
Talvez seja esta a verdadeira condição humana. Acontecimentos bárbaros, guerras, mares de sangue, tortura e sofrimento atroz infligidos ao nosso semelhante no passado, poderão ser a prova inequívoca disso mesmo… que para além de sermos corpo e alma, encerramos no nosso ser, não só Amor como também, inevitavelmente, o ódio, a violência e o mal, uma condição biológica que já nos conduziu à “prazerosa” e instintiva destruição de nós mesmos e que provavelmente continuará a fazê-lo.
Será isto uma possibilidade?...